Quem saiu às compras neste mês de dezembro pode até ter tido a sensação de que o período pré-pandemia estava de volta, com as ruas e os shoppings cheios de consumidores.
Na hora de identificar os números, pesquisas em pontos-de-venda revelam que o Natal de 2022 sequer se igualou ao de 2019, pelo menos em relação ao fluxo de pessoas em lojas.
Levantamento da Virtual Gate, empresa que monitora cerca de 4 mil estabelecimentos no país, mostra queda de 25% no volume de pessoas em lojas de ruas e de shoppings no período.
As lojas de rua sofreram mais do que as de shoppings. Do dia 1 a 24 de dezembro, o fluxo de consumidores em lojas de ruas caiu 33% sobre igual período de 2019 e, de shoppings, 22,4%.
Os números são melhores na comparação com igual período do ano passado: queda de 2% nas lojas de rua e de 0,8% nas de shoppings, de acordo com a Virtual Gate.
No Estado de São Paulo e na capital paulista, os dados são piores do que no restante do país.
Do dia 1 a 24 de dezembro deste ano, o fluxo de pessoas em lojas no Estado caiu 26% e, em lojas na cidade, 30%, na comparação com igual período de 2019.
Nas ruas, a queda chega a 38% no Estado de São Paulo e, nos shoppings, a 27%, no período. Os dados são os mesmos para a capital paulista.
INFLAÇÃO E DÍVIDA
Para Heloísa Cranchi, diretora da Virtual Gate, as principais razões para a redução do fluxo de pessoas nas lojas são a pressão sobre os preços e o elevado endividamento das famílias.
De cada 100 famílias brasileiras, 78 estavam endividadas no final do primeiro semestre deste ano, de acordo com levantamento da Fecomercio-SP.
Este número é o maior da série histórica para o período desde 2010. Em junho de 2020, 67% das famílias estavam endividadas. No mesmo mês de 2021, 71%.
“Se o consumidor gasta mais para comprar produtos básicos e tem mais dívidas, sobra menos dinheiro para comprar presentes”, afirma Heloísa.
Os jogos da Copa, especialmente os da seleção brasileira, de acordo com ela, também contribuíram para a redução no número de pessoas nas lojas.
Nos dias dos jogos do Brasil, o fluxo de consumidores nos estabelecimentos comerciais chegou a cair 40%, em média, tanto em lojas de rua como nas de shoppings.
Outra explicação para a redução no número de pessoas nas lojas é o e-commerce. “Uma parte do público que comprava em shoppings passou a comprar pela internet”, diz Heloísa.
A ABComm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico) projeta crescimento de cerca de 12% para as vendas pela internet neste ano em relação a 2021.
SETORES
As lojas de artigos de uso pessoal foram as que mais registraram queda no fluxo de pessoas em dezembro, de 27%, em relação a igual período de 2019.
Em segundo lugar vem o setor de vestuário, com retração de 26%, seguido do de móveis (23,8%) e do de material de construção (22,7%).
O único setor que registrou aumento no fluxo de pessoas no período, de acordo com a Virtual Gate, foi o de cosméticos e perfumaria: alta de 3,5%.
“Este é um segmento do varejo com tíquete médio menor”, diz Heloísa.
Na comparação com 2021, o fluxo de pessoas em lojas de cosméticos e perfumaria aumentou 22,4%. Outro setor que registrou alta, embora pequena, foi o de móveis, de 0,8%.
As lojas de vestuário, artigos de uso pessoal e de material de construção tiveram queda no fluxo de clientes também sobre dezembro de 2021, de 2,3%, 6,3% e 5,6%, respectivamente.
Para Heloísa, janeiro de 2023 pode até ser um mês melhor do que janeiro deste ano em relação ao fluxo de pessoas nas lojas, mas ainda não deve atingir os números pré-pandêmicos.
“Enquanto não tiver perspectiva de que o poder de compra vai aumentar, o consumo tende a ficar mais restrito”, afirma.
Para que os números superem os de 2019, de acordo com ela, é preciso que mais brasileiros entrem para o mercado de consumo.
Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores, diz que as condições macroeconômicas continuarão adversas no ano que vem.
Mesmo que a inflação diminua no início de 2023, diz ele, os juros devem continuar altos, encarecendo o crédito, principalmente no primeiro semestre.
“O país dever ter crescimento baixo em 2023, como nos últimos sete anos. O emprego deve crescer, mas, infelizmente, será de baixa qualidade”, diz.
Em recente entrevista ao Diário do Comércio, Fábio Bentes, economista da CNC (Confederação Nacional do Comércio), destacou a queda de desemprego como um ponto a favor do varejo.
Para ele, a expectativa é de uma taxa de desemprego média de 7,4% ao longo de 2023, menor do que a taxa média deste ano, de 8,3% (até outubro).
“Com menor inflação e menor desemprego, o comércio pode até crescer mais no ano que vem – algo próximo de 2,5% – do que neste ano.”
Nos últimos três anos, o varejo brasileiro cresceu cerca de 1,5% ao ano ou menos.
Agora, não há dúvida, de acordo com Silveira, que as condições macroeconômicas neste final de ano são melhores do as do final do ano passado.
A massa real de rendimentos do trabalhador brasileiro neste ano deve ser 6% maior do que a de 2021 e, se considerar o auxílio do governo, este percentual sobe para 6,5%.
A renda subiu, vale lembrar, diz ele, porque o número de ocupados aumentou cerca de 8%.
Outro dado favorável de 2022 em relação a 2021, diz Silveira, é o volume de crédito destinado às famílias, que cresceu 13% neste ano em relação ao ano passado.
“As atividades de varejo e serviços ganharam algum fôlego neste ano. Isso é inquestionável.”
Como o fluxo de pessoas nas lojas diminuiu, de acordo com Silveira, é provável que uma parte da compra de Natal tenha sido feita pela internet.
Aliás, a gigante chinesa do varejo virtual, a Shein, famosa por vender roupas a preços baixos, planeja abrir cinco lojas temporárias (pop-up) no país devido ao sucesso entre os brasileiros.
Texto publicado originalmente no Diário do Comércio de 28/12/22
IMAGEM: Newton Santos/DC