De uma pequena loja, fundada há 50 anos na rua Oscar Freire, em São Paulo, a Natura Cosméticos se tornou a Natura&Co (dona das marcas Avon, Natura e The Body Shop), considerada a maior indústria brasileira de cosméticos e uma das cinco maiores do mundo no segmento de beleza.
Com mais de 100 milhões de consumidores, hoje a Natura&Co tem na logística um dos seus principais braços estratégicos. É a partir do resultado de uma megaoperação que a companhia realiza o desejo de clientes e revendedores.
Na última década, essa área da companhia tem trabalhado não só para reduzir os prazos de entrega e os custos com transportes, mas também para mapear, de acordo com a posição de suas fábricas e a demanda territorial, o local adequado para instalação de seus centros de distribuição.
Desde 2009, essa trajetória é comandada pelo argentino Nestor Felpi, diretor de distribuição e inovação logística da Natura&Co. Formado em Engenharia de Produção pela Universidade de Buenos Aires, iniciou a carreira em Logística no início dos anos 1990. Com passagens por multinacionais como a Clorox, Avon e Philips até receber um convite para trabalhar na Natura, Felpi falou sobre essa jornada durante a 11ª edição da Retail Conference, promovida pela Associação Comercial de Campinas (ACIC).
Nas palavras de Felpi, em 2010, quando a Natura ganhou seu viés de multinacionalidade, o principal objetivo era lapidar as suas ações de venda direta. Lojas e e-commerce passaram a funcionar de forma mais integrada ao passo que a companhia passava do atendimento analógico à digitalização de toda a cadeia, desde a produção na fábrica até chegar aos lojistas e revendedoras.
Hoje, ele defende que muito além de cosméticos, a logística é a essência do negócio da Natura. São quase 1,5 milhão de consultoras no Brasil, demandando que 99% dos produtos estejam sempre à disposição em qualquer canto do país. Cerca de 80% dos pedidos feitos pelas revendedoras são entregues em até 48 horas – um compromisso difícil de ser assumido, segundo Felpi.
Ele recordou sua chegada ao Brasil em 1999, para trabalhar na Clorox, fabricante de água sanitária, que tinha fábrica na avenida Aricanduva e operador logístico em Alphaville. Na época, seu maior terror não era a inflação ou a concorrência, e sim a Marginal do Tietê por causa dos alagamentos. O que de certa forma perdura até hoje, independentemente da empresa em que esteja.
“Em 2006, não tinha Magalu nem Mercado Livre. A logística era ainda mais complexa e a Avon já tinha uma operação gigante chegando a mais lugares que os Correios”, lembrou.
Para o executivo, a infraestrutura é o grande problema da logística brasileira. Além disso, Felpi também disse ser incansável em entender e adequar a capacidade logística às necessidades dos clientes. Para ele, não dá para generalizar – cada um tem uma maneira de ser. Em tempos de entregas no mesmo dia, ele acredita que nem todo mundo quer tanta agilidade ou receber produtos em casa.
O argentino recordou uma compra que fez pelo Mercado Livre e que mesmo sem nenhuma urgência recebeu no dia seguinte, um domingo, dia em que nenhum prestador de serviço pode entrar em seu condomínio e ele mesmo teve que caminhar até a portaria. “Esse diferencial é o que a Natura persegue. Entender o que é melhor para cada cliente.”
Parte desse entendimento e aproximação com o público passa também pela sustentabilidade, na opinião de Felpi, que acredita, por exemplo, no potencial da logística colaborativa, ainda pouco praticada entre as companhias.
Ao falar sobre o assunto, ele citou uma experiência pontual com a Cacau Show. Por transitar produtos perecíveis, a empresa de chocolates trabalha com transporte frigorificado. E em datas festivas, quando envia brindes para seus consumidores, acaba por utilizar para esses produtos a mesma carga frigorificada, sem nenhuma necessidade e aumentando os custos. Se compartilhasse as carretas da Natura, esses itens, como bichos de pelúcia e canecas, teriam frete muito mais barato.
“Deveríamos ter uma logística mais colaborativa. O Cliente faz dez compras no mesmo dia. São dez entregadores em momentos diferentes na porta de casa. Não dá para juntar isso tudo?”, disse.
Ainda assim, Felpi vislumbra possíveis colaborações em um futuro próximo. Nesse sentido, o executivo destaca que a Natura sempre foi inovadora. Em 1983, foi a responsável por lançar o refil, que na época sofreu certa resistência. Achava-se que poderia ser considerado feio comprar só o produto e reutilizar a embalagem.
Em um salto de 40 anos desde a criação do refil, a Natura segue buscando eficiência e ganhos de produtividade. Superautomatizado, um dos dez centros de distribuição, na Vila Jaguara, em São Paulo, tem carretas que saem para distribuição a cada três minutos e opera com robôs colaborativos no processo de encaixotamento – antes feito manualmente. A grande quantidade de embalagens a serem encaixotadas gerava um impacto ergonômico negativo aos funcionários, que também realizavam atividades repetitivas sem valor agregado para a produção.
Agora, a companhia foca em sustentabilidade. Quanto à logística reversa, a Natura reforça a utilização de refil e a reciclagem. O primeiro item, segundo Felpi, é responsável pela retirada de 2,2 mil embalagens do mercado, além da redução de 54% da massa média do produto (em comparação com a embalagem regular).
Com relação à reciclagem, a empresa lançou um programa chamado ELOS, que estabeleceu uma cadeia de logística reversa para recolhimento dos resíduos gerados pela empresa. Para 2050, a empresa tem como objetivo reciclar mais de 50% de toda embalagem colocada no mercado, além de reutilizar no mínimo 10% de todo este material reciclado.
“Do ponto de vista da Natura, estamos trabalhando em todas as frentes para termos menos impacto ambiental. Estamos falando de carbono zero, de poder entregar os produtos de bicicleta”.
Texto de Mariana Missiaggia
Texto publicado originalmente no Diário do Comércio de 31/05/23
IMAGEM: ACIC/divulgação