Skip to content Skip to footer

É a vez do shopping (não só da loja) conhecer melhor o cliente

Quando eles surgiram no Brasil, a partir dos anos 60, o apelo era conveniência. Várias lojas reunidas em um mesmo ambiente, com estacionamento, segurança e praça de alimentação.

Seis décadas depois, na era de e-commerce e pandemia do novo coronavírus, o relacionamento com o cliente passa a ser uma das prioridades dos shopping centers no Brasil.

O que o cliente pensa, acha, deseja, não é algo que importa somente aos lojistas. Os shoppings estão mais do que nunca atrás dessas informações para direcionar os seus negócios.

“Conhecer o cliente, oferecer experiências, serviços, entretenimento, prêmios passam a ser cada vez mais relevantes para trazer fluxo para os shoppings”, afirma Viviane Moura Rocha Ferreira, professora e pesquisadora do FGVcev – Centro de Excelência em Varejo da FGV.

IGUATEMI

Há mais de dez anos, o shopping Iguatemi tem um programa, com base nos gastos do seu público, que dá direito a descontos em lojas, participação em eventos e estacionamento grátis.

Na categoria Silver, basta uma compra para fazer parte do Iguatemi One, programa de relacionamento que envolve os 17 shoppings do grupo.

Nas categorias Gold e Black, o consumidor precisa acumular 40 mil pontos e 200 mil pontos, respectivamente, para a troca por produtos e ou serviços.

Isto é, precisa gastar R$ 100 mil (Gold) e até R$ 500 mil (Black) em um ano.

Numa iniciativa para estimular este programa de relacionamento, o Iguatemi lançou, no início de setembro, a campanha Iguatemi Collections.

Desenvolvida pela L -founders of loyalty, a ação tenta encantar os consumidores dos empreendimentos do grupo com produtos colecionáveis da Nachtmann e da Mandarina Duck.

Para participar da campanha, a primeira deste tipo, os clientes precisam fazer um cadastro no aplicativo Iguatemi One e enviar as notas fiscais de compras.

Os produtos escolhidos para a campanha, que vai até o início de dezembro, são copos para água, whisky e drinks da Nachtmann e bolsas, mochilas e malas da Mandarina Duck.

“A campanha visa fomentar o relacionamento com os clientes e concentrar os gastos nas lojas dos shoppings do grupo”, diz Alexandre Biancamano, diretor de marketing do Iguatemi.

As tradicionais campanhas de shoppings, de curta duração, como as baseadas em sorteios de carros na época de Natal, afirma ele, já não são assertivas.

“As informações que os shoppings passam a ter acesso por meio de notas fiscais ajudam a traçar o perfil do cliente, entender hábitos de consumo para agir de forma mais eficiente.”

Erra, de acordo com ele, quem pensa que o público de maior poder aquisitivo não fica encantando com campanhas deste tipo que o Iguatemi lançou.

“Todo mundo gosta de ter benefícios, acesso ao que não está disponível no mercado, como os copos da Nachtmann e as bolsas da Mandarina Duck”, diz.

ANCAR IVANHOE

Com a administração de 24 shoppings no Brasil, a Ancar Ivanhoe, segue o mesmo caminho. Por meio de aplicativos, a empresa busca se relacionar cada vez mais com os clientes.

“O objetivo das ferramentas digitais é entender e facilitar a vida do consumidor, se deseja comprar ingressos, evitar filas”, diz Caroline Thomaz Pereira, head de marketing da Ancar.

No caso de alguns shoppings administrados pela Ancar, como o Rio Design Barra e o Rio Design Lebon, um programa baseado em pontos permite descontos em lojas, experiências e prêmios.

“Entender cada vez mais os consumidores é preciso para gerar mais valor ao negócio, seja na escolha do mix de lojas, dos eventos e até dos produtos para as campanhas”, diz Caroline.

A aceleração da digitalização somada à pandemia, de acordo com ela, mudou o comportamento das pessoas no processo de compra.

“O consumidor, cada vez mais antenado, faz muito mais pesquisa pelo celular e quer ter uma experiência completa no físico e no digital”, afirma.

FIDELIZAÇÃO

Sylvio Carvalho Netto, consultor de varejo com experiência de mais de 30 anos em shoppings, diz que o objetivo principal dos programas de relacionamento é a fidelização.

“Conhecer o padrão de consumo do cliente, o quanto ele gasta é fundamental para as estratégias das empresas e para o mix de produtos”, diz.

As novas tecnologias, de acordo com ele, permitem obter informações mais precisas, quais lojas vendem mais e menos, por exemplo, e do que os clientes mais gostam.

“Os programas de relacionamento são uma tentativa de se aproximar dos consumidores que ficaram mais ariscos após a pandemia”, afirma Netto.

HÁBITOS DE CONSUMO

No final de 2020, a FGV entrevistou 20 gestores de shoppings, de investidores e administradores a lojistas, e 800 consumidores para traçar mudanças nos hábitos de compra.

Com base em informações de moradores da Região Metropolitana de São Paulo, com renda acima de 20 salários mínimos, os resultados não foram nada positivos para os shoppings.

Antes da pandemia, 30% dos entrevistados costumavam ir uma vez por semana a um centro de compra. Depois, esse percentual caiu para 12%.

A fatia dos ouvidos que não ia ao shopping, que era de 3% antes da pandemia, subiu para 30%. “A compra online, portanto, passou a ser mais recorrente”, diz Viviane.

Quase sete em cada dez consumidores informaram que não participavam de programa de fidelidade de shoppings, mas a maioria deles concordava em participar.

Segurança, estacionamento, variedade de lojas, restaurantes, nesta ordem, eram os atributos mais valorizados pelos consumidores na hora de optar por ir a um shopping.

EXPERIÊNCIA

“O que sugerimos aos shoppings é que, com os dados de compra e do perfil dos consumidores, integrem as experiências física e digital, com programas de fidelidade”, diz ela.

Para isso, de acordo com os especialistas ouvidos pela FGV, os shoppings devem criar seus próprios marketplaces e vender por meio de mídias sociais.

Essa é uma conveniência que permite a compra a qualquer hora do dia, sem perda de tempo.

As lojas físicas, por sua vez, precisam atuar como ‘hubs’ de distribuição de produtos e investir em experiências para os clientes durante toda a jornada de compra.

Para que os shoppings se mantenham relevantes, dizem os especialistas, precisam apostar em formas variadas de experiência e oferecer de salões de beleza e academias a clínicas médicas.

EFEITO-PANDEMIA

Os efeitos da pandemia ainda são vistos em muitos shoppings espalhados pelo país, especialmente aqueles que dependem do público de escritórios.

Os shoppings Vila Olímpia, da Multiplan, e Market Place, do grupo Iguatemi, em São Paulo, são pelo menos dois exemplos de empreendimentos que sofrem com vacância e público menor.

Dados da Abrasce (Associação Brasileira dos Shoppings Centers) mostram que o fluxo de pessoas nos shoppings ainda está 20% menor do que o do período pré-pandemia.

Em alguns dos centros comerciais tradicionais de São Paulo, como o Pátio Higienópolis, os tapumes ainda persistem, assim como o deslocamento de lojas entre os andares.

O movimento de fusão de grandes grupos do setor, como o da Aliansce Sonae com a brMalls, revela o impacto das mudanças no setor, processo que deve se acelerar em 2023.

Especialistas em shoppings entendem que o modelo de negócio exclusivamente focado na receita de aluguel não se sustenta mais.

Os centros comerciais precisam gerar valor para os lojistas, com a construção de uma base de dados capaz de incrementar o faturamento de todos os envolvidos no negócio.

Publicado no Diário do Comércio em 09/11/2022

Foto: Freepik