Um mercado da ordem de R$ 18 bilhões anuais chamou a atenção há cerca de seis anos de um dos maiores empresários do Brasil, Guilherme Leal, sócio-fundador da Natura.
Em sociedade com Estevan Sartoreli, ex-funcionário da gigante do setor de cosméticos, Leal decidiu disputar o mercado nacional de chocolates, com o lançamento da Dengo.
Antes da pandemia, eram oito lojas. Hoje, 33, espalhadas por São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Campinas, Ilhéus e Fortaleza.
Neste momento, a empresa finaliza os projetos para expansão em 2023. “A marca vai crescer, com lojas próprias”, afirma Sartoreli, cofundador e CEO da rede.
A Dengo deslanchou, a partir de 2020, justamente quando o mercado brasileiro de chocolates encolheu aproximadamente 9%.
Em 2020, a produção de chocolates no país foi de 510 mil toneladas, o que representou uma queda de 8,7% em relação ao volume de 2019, de 559 mil toneladas.
“Foi um período desafiador, pois 98% das lojas estavam em shoppings [fechados durante a fase crítica da pandemia]”, diz.
No ano passado, os números voltaram a subir. A produção de chocolates no Brasil atingiu 693 mil toneladas, superando os volumes de 2019 e de 2018 (568 mil toneladas).
No primeiro semestre deste ano também houve expansão do setor. A produção subiu 11,4%, na comparação com igual período do ano passado, de 332 mil para 370 mil toneladas.
Os dados são da Associação Brasileira da Indústria de chocolates, Amendoim e Bolos (Abicab).
SOCIAL
A ideia de competir no mercado que coloca o Brasil como o 7º colocado no mundo não considerou apenas o business, diz o CEO, mas também o impacto social do negócio.
Tudo começou há uns dez anos quando Leal viajava para uma de suas propriedades no Sul da Bahia e ficava inquieto com as questões socioambientais da região.
“O capital natural não se revertia em riqueza no Sul da Bahia, com um dos piores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país”, afirma.
Hoje, cerca de 200 famílias produzem 33 toneladas de cacau por mês para a Dengo, marca que opera sob o conceito de gerar valor compartilhado, renda.
Dependendo dos critérios utilizados na produção, um produtor pode receber de 70% a 245% acima do preço de mercado do cacau, com cotação internacional.
A fazenda que produz o cacau segue os aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG) no processo de produção? Os produtos são ou não orgânicos? Essas são algumas das questões colocadas pela Dengo para os fazendeiros.
No último ano, os produtores que forneceram cacau para a Dengo receberam, em média, 91% a mais do que o preço de mercado, o que significa que estão no caminho que a marca exige.
“Cada um desses atributos e outros adicionam um percentual de preço acima do mercado.”
AMBIENTAL
Sartoreli tem orgulho de dizer ainda que 100% da produção preservam as florestas. O cacau é produzido debaixo de sombras de Mata Atlântica, sistema chamado cabruca.
Mais do que expandir a rede por expandir, Sartoreli diz que a marca deseja dobrar a renda de três mil produtores de cacau no Sul da Bahia.
Evidentemente que, para que isso aconteça, mais pontos-de-venda precisam ser abertos.
Há espaço para essa expansão. De acordo com o CEO, as marcas de chocolate premium participam com apenas 5% do mercado nacional.
Em um país onde a renda do consumidor diminui rapidamente com a alta da inflação, diz ele, competirem em um mercado de preços mais altos é um grande desafio.
O que joga a favor da marca, porém, é o fato de o consumidor premium ser muito mais resiliente na crise. “A predisposição para desembolso fica mantida”, afirma.
SAÚDE
Além disso, diz Sartoreli, o consumidor está cada vez mais preocupado com a qualidade dos produtos que come e com os propósitos sociais e ambientais das empresas.
Os chocolates da Dengo, de acordo com ele, não têm gordura hidrogenada, aromatizantes e conservantes e mantêm a pura manteiga do cacau ao longo do processo. “É mais saudável.”
Os clientes também ficam mais satisfeitos quando têm conhecimento de que centenas de famílias são beneficiadas com a compra dos chocolates.
OBRIGAÇÃO
As práticas ESG (Environment, Social and Governance, em inglês), seguidas pela Dengo, serão cada vez mais consideradas nos projetos de expansão de empresas do varejo.
Quem afirma é Marcos Hirai, sócio-fundador do NDEV (Núcleo de Desenvolvimento de Expansões Varejistas), que coordena a expansão de dezenas de redes no país.
“Em 2023, ações ESG serão obrigatórias. Vejo muitas empresas orientando equipes para que conheçam melhor essas práticas”, diz.
Os empresários, de acordo com Hirai, não têm mais como dizer que não vão adotar ou que não gostam de discutir ESG.
“É fato que montar equipes apenas com jovens já não pega mais bem para uma marca.”
Ficou claro, principalmente na comunicação das empresas, diz ele, que o consumidor apoia a diversidade de etnias, idades, gêneros.
As práticas ESG não devem estar restritas às grandes redes. “Até mesmo o pequeno lojista, com dois funcionários, pode tocar o negócio com essa mentalidade.”
As ações, de acordo com Hirai, podem ser praticadas já na hora de montar uma loja, com o uso de madeira certificada, pisos reciclados e lâmpadas que consomem menos energia.
“Evidentemente que o pequeno lojista não tem o rigor de fiscalizar produtos, fornecedores, mas consegue adotar as práticas ESG nas pequenas ações.”
Texto publicado originalmente no Diário do Comércio de 22/12/22
IMAGEM:Fátima Fernandes/DC