Há alguns anos, tínhamos no carro um mapa de ruas e um catálogo telefônico na gaveta da sala. Imprimíamos fotos, usávamos relógios e acordávamos com rádios-relógios. Riscávamos os compromissos nos calendários, escutávamos CDs e por aí vai. Podemos dizer que o smartphone é o produto mais ESG que existe, pois eliminou a produção de diversos produtos de papel e plástico, certo? Bem… só que há o outro lado, que é a produção dos próprios aparelhos, suas baterias e processadores que necessitam de outros elementos da natureza (lítio, principalmente) que são obtidos por meio de mineração, algo não tão visto como “ESG”.
Mas o ponto principal é: ao se usar mais o celular e se consumir mais informação, a capacidade de poder computacional teve que ser aumentada em milhares de vezes. Ainda mais com a propagação da inteligência artificial, uma consumidora voraz de energia. A digitalização, tão fundamental para o desenvolvimento econômico e social, pode ser considerada “anti ESG”? Acredito que os benefícios superam os impactos e há boas notícias em relação a isso. A Intel, Arm e Nvidia propuseram, em setembro de 2022, um novo padrão técnico para tornar mais eficiente o processamento necessário para a inteligência artificial.
Falando de Inteligência Artificial e ESG, o assunto não poderia ser outro senão os carros elétricos e autônomos. Eles são “o que há de mais legal”, certo? Bom… estudos demonstram que o impacto total na cadeia de produção e utilização de um carro elétrico é ligeiramente maior que o de um carro a biodiesel (etanol), ou seja, trocamos combustão por lítio. Já em relação aos carros autônomos, há uma discussão ética relevante: se um acidente for inevitável, atropelo uma senhora, um cachorrinho ou uma criança de bicicleta. Quem irá tomar essa a decisão na hora de se programar o tal do algoritmo? Algo similar, ainda que menos trágico, ocorre com cidades inteligentes: o algoritmo deve privilegiar o deslocamento da bicicleta, do ônibus ou do pedestre?
Ainda sobre a energia, nunca se queimou tanto carvão na Europa por conta da restrição do gás russo. Outro fato relevante é que o preço do urânio está disparando, em função do renascimento das usinas nucleares como opção da matriz energética. Ao mesmo tempo, a migração para matrizes mais “verdes” demandará enormes investimentos dos governos em geração, transmissão e adaptação das cidades. Algo que os países pobres terão dificuldade de agregar aos seus orçamentos. Quem decidirá se construímos mais casas populares ou se aceleramos o desenvolvimento da energia solar no Brasil?
Outra pergunta válida é “Qual a maior oportunidade de negócio, entre os 3 R’s de Sustentabilidade, Reduzir, Reutilizar e Reciclar”? Pessoalmente acho reciclar o máximo, mas é fato que estimular a reciclagem é caro, complexo e, no final das contas, consome bastante energia. Ou seja, tem sido difícil extrair valor dessa cadeia no varejo. No entanto, reusar é uma oportunidade latente, já que podemos revender e até alugar produtos, em linha com a tendência de uso versus posse ou experiência versus posse. Isso é bastante oportuno para moda, incluindo acessórios de luxo, mas também para produtos de alto valor e uso pouco frequente. Merece destaque o crescimento do serviço “Localiza Meoo” de carros por assinatura, que apresentou uma ótima campanha de publicidade com o mote “Carro não é pra casar, é pra assinar”.
Afinal, como decidir se aquela tendência, tecnologia ou investimento vai gerar uma melhor experiência para os meus clientes, me diferenciando ainda mais da concorrência? Essas escolhas, tão difíceis, compõe o cerne da estratégia de cada empresa e, em um mundo tão volátil, podem representar grandes oportunidades aos que tomarem as melhores decisões.
IMAGEM: Pìxabay
Felipe Mendes– Diretor geral da GfK na América Latina, palestrante sobre Varejo, Consumo e Tecnologia, Investidor Anjo e membro do Conselho do Varejo da Associação Comercial de São Paulo.